sábado, 15 de junho de 2013

Um abajur no pescoço.

Há dois domingos atrás, o Bãster foi dar uma voltinha na rua quando abrimos o portão para guardar o carro, como ele sempre faz, e foi em direção à esquina. Antes de fechar o portão, o Gino chamou o Bãster de volta, e o Bãster voltou correndo a mil. Porém, numa das casas entre a nossa casa e a esquina, tem um cachorrinho branco que é bem danado. O cachorrinho tem um terço do tamanho do Bãster, mas adora uma encrenca. E quando o Bãster passava correndo pela frente da casa do cachorrinho, o danado corre em direção ao Bãster para atacá-lo! O Bãster é pacífico, nem sabe brigar, e não deu bola, atropelou o cachorrinho – que saiu rolando – e continuou a corrida até em casa. Um pouco depois, fazendo carinho no Bãster, percebo que ele estava sangrando, com dois “buracos” na pata dianteira esquerda, fundos, até a carne. Possivelmente o cachorrinho mordeu o Bãster no ataque, e como o Bãster não parou, teve a pele arrancada pelos dentes do pequeno.
Não é isso que eu quero comentar nessa postagem, a reflexão vai mais além, porém vou continuar a história, para que vocês entendam o que me fez pensar.
Desinfetamos a ferida do Bãster e deixamos por isso. Mas os buracos eram muito fundos, ficamos com medo de que pudesse infeccionar e durante a semana o Mano levou o Bãster na veterinária. Como a ferida já tinha alguns dias, a veterinária achou que não adiantava mais fazer pontos pois a pele já estava secando e não ia mais colar. Receitou antibiótico para prevenir infecção e uma pomada para passar na ferida duas vezes ao dia. Passar a pomada até foi possível, o que não conseguimos foi que ela ficasse no local... assim que soltávamos o Bãster, adivinhem qual a primeira coisa que ele fazia?? Lamber a ferida (eca)! Além da pomada não fazer efeito, ele passou mal duas vezes por ter ingerido a pomada. Tentamos colocar o colar (aquele cone que parece um abajur, em volta do pescoço), para impedir que ele lambesse a ferida, e isso foi horrível. O Bãster entrou num desespero que só vendo, começou a se atirar contra as coisas de propósito, para tentar destruir o abajur, digo, o colar, e achei que ele fosse infartar (afinal ele é meio boxer), levou uns 40 minutos depois que tiramos o colar até a respiração dele voltar ao normal. Foi tão desesperador que nem foto eu tirei.
Ligamos para a veterinária, que pediu que levássemos o Bãster de volta para ela ver. Conclusão: sozinha, a ferida não ia fechar, por ser muito funda. A solução foi fazer uma cirurgia para cortar a parte que já estava cicatrizada, deixando a pele ferida exposta, e aí fazer pontos. O nosso super Bãster tem verdadeiro pavor de veterinários, entra em pânico já antes de entrar na clínica – como disse o Mano na primeira consulta em função do ferimento, o Bãster poderia ter morrido, de medo da veterinária. Tadinha, a veterinária do Bãster é muito legal, competente e percebe-se que adora animais, uma injustiça o Bãster não gostar dela. – Voltando, o Bãster tem muito medo, e isso faz com que ele reaja mordendo (afinal é um cachorro) a qualquer tentativa da veterinária encostar nele. A única maneira de operar seria sedar o Bãs, e para isso ele teria que passar o dia na clínica.
Fizemos isso. Naquele dia, fui buscar o recém-operado na clínica, ansiosa para ver meu cachorrão. A veterinária me recebeu, disse que deu tudo certo, ele se comportou direitinho (!!!) porém ainda estava sonolento. Disse também que a roupinha pós-cirúrgica não ia proteger o local dos pontos, então colocou um colar nele para evitar que se lamba. Eu respirei fundo antes de dizer qualquer coisa, e como ela sabia do problema com o colar anterior, foi logo explicando que era um colar diferente, e que aparentemente o Bãster estava se adaptando, e pediu que buscassem o meu cachorro. Ele veio caminhando todo desengonçado e devagar, os olhos pequenos de sono, enroscando em tudo com o seu novo colar. Um colar vermelho, feito de uma telinha (de plástico?) vermelha. Por ser uma telinha, o colar é meio transparente e flexível. Assim que me viu o Bãster levantou, ficando só nas patas traseiras, e usou as dianteiras para puxar o colar para fora da cabeça, como um motoqueiro tirando o capacete faria. Tentou umas três vezes, apesar das broncas. 

No caminho de casa ele dormiu, e chegando em casa não queria sair do carro, como se estivesse esperando que o levássemos de volta para a clínica para tirarem o colar dele. Era triste de ver, ele esbarrava em tudo, e o pior, coitado, quando ele encostava em algo com o colar, ficava parado, imóvel, como estava no momento que encostou. As vezes ficava alguns minutos imóvel!!! Eu comecei a chamar toda vez que ele esbarrava, para que ele descobrisse que o colar é flexível, afinal era só seguir em frente empurrando o colar um pouco que ele se dobra e deixa passar. Deu certo, entendeu isso na primeira noite.
Hoje, com um dia apenas, ele já consegue comer ração e beber água nos pontos, não esbarra mais tanto e quando esbarra segue em frente, até descobriu que quando quer colocar a cabeça sobre alguma coisa é necessário ergue-la um pouco mais para passar o colar.
Único problema é que ele está triste, fica “puxando o saco” como faz quando quer comida só que mais intensamente, dá para perceber nitidamente que ele pensa que se nos agradar nós vamos retribuir tirando-o do “castigo do colar”.
É mesmo triste vê-lo assim, mas eu sei que isso é para o bem dele e é só por alguns dias. Porém ele não sabe, não entende isso, não faz ideia do porquê de terem colocado esse negócio nele e não sabe quanto tempo isso vai ficar aí ou se vai ser tirado algum dia.
Agora cheguei na situação que me fez pensar.
Acho que a situação dele, de uma maneira simplificada, é a mesma de alguém que sofre um acidente ou tem alguma doença e adquire uma deficiência. Se a pessoa quebra uma perna, sabe que vai tirar o gesso e voltar a andar normal, mas quando vai precisar da cadeira de rodas a vida toda, ou não vai mais enxergar, ou precisa usar uma sonda, ou perde algum membro do corpo???
O desalento deve ser incomensurável, a vida toda muda, precisa de readaptação, muitas coisas não podem ser mais feitas, e para outras será sempre dependente de ajuda de outras pessoas.
O Bãster está abatido, e os pensamentos de um cachorro são muito menos complexos que de uma pessoa, e as possibilidades de um cachorro são muito menores, as perdas são muito menores se comparadas com as que têm um ser humano. Inimaginável a perda que tem uma pessoa...

Dizem que a vida na terra é só uma passagem, devemos cuidar bem do nosso corpo mas não nos apegar a vida material, porém na prática isso não é fácil. O nosso corpo, nossos sentidos, nossa independência e nossas faculdades mentais são preciosos, pensar em perder algo assusta, dá medo.